Pela manhã, conferências trataram sobre legislação e tecnologia como aliados no combate aos crimes
Os debates sobre a necessidade de proteção das florestas e os desafios para a aplicação da legislação ambiental por magistradas e magistrados tanto da esfera estadual como federal dominaram a programação do segundo dia da 1ª Cúpula Judicial Ambiental da Amazônia – Juízes e Florestas, que ocorre até este sábado, 5, no Auditório Desa. Maria Lúcia Marcos dos Santos, localizado no Anexo I, ao prédio-sede do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). O evento é promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e visa promover o debate sobre temas relacionados à atuação judicial ambiental na Amazônia.
A programação da manhã abriu com o painel Panorama Internacional de Proteção das Florestas, presidido pelo presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Manoel Murrieta. Os conferencistas Maria Angélica Ikeda, ministra e diretora do Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, e o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, falaram sobre os desafios do mundo e a preparação do Brasil para elaboração de um plano de sustentabilidade que abranja vários aspectos sociais.
O embaixador André Aranha Corrêa do Lago fez um apanhado histórico das discussões sobre meio ambiente, destacando os primeiros protocolos firmados em nível mundial, que até então tinham como preocupação principal o desgaste da camada de ozônio. Ele lembrou que, apenas na Rio 92, falou-se a primeira vez em mudança climática, quando o assunto ainda era pouco conhecido.
O Secretário fez questão de frisar que as Conferência das Partes (COP), encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, foram um avanço nas discussões sobre meio ambiente porque fazem com que os países assumam compromissos para a redução de emissão de gases e repasse de tecnologia para nações em desenvolvimento, criem mecanismos mais eficientes para suas matrizes energéticas. Ele ressaltou ainda que a COP em Belém será um grande desafio, porém há grande expectativa de que, com a liderança do Brasil as negociações e medidas avancem.
A ministra Maria Angélica Ikeda também comentou sobre os desafios que a COP trará para o Brasil e para Belém. “A COP de clima é a que atrai mais atenção e público”. Ela falou ainda sobre a importância da Cúpula da Amazônia, que será realizada nos dias 7,8 e 9 de agosto, em Belém, que prioritariamente quer firmar diálogos com os países amazônicos e com florestas tropicais. “Temos grande interesse de coordenarmos com os países nossos biomas. Temos que trocar experiência, falar dos nossos problemas e encontrarmos soluções comuns”.
Ela ainda ressaltou que as políticas públicas de sustentabilidade devem incluir outros aspectos como os de questões econômicas, culturais, sociais, inclusive povos tradicionais. “É preciso criar um novo modelo de desenvolvimento, que também combata a atuação do crime organizado”.
Na segunda conferência do dia, os participantes debateram o tema “Panorama da Jurisprudência Brasileira sobre Florestas e Desmatamento”, sob a presidência do Desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), Miguel Monico Neto.
A juíza federal do TRF 1ª Região, Mara Elisa Andrade, apresentou os principais conflitos socioambientais da floresta amazônica como desmatamento, poluição hídrica (garimpo, mineração e deficiência nas políticas de resíduos sólidos e saneamento básico) e licenciamento ambiental de empreendimentos de infraestrutura. A magistrada destacou ainda a dificuldade de punir de forma efetiva, já que na maioria das vezes a população mais vulnerável é usada como “laranja”, o que inviabiliza o pagamento de multas e indenizações.
Já o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Álvaro Luiz Valery Mirra, fez um apanhado da jurisprudência dos tribunais superiores no que diz respeito à proteção das florestas e ao desmatamento. O magistrado afirmou que as Cortes orientam à salvaguarda do patrimônio florestal como patrimônio público e acrescentou que o papel de todos dos juízes na implementação das normas efetivas e concretas das normas jurídicas.
Por último, o juiz do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), Emerson Benjamim Pereira de Carvalho, fez uma análise da legislação ambiental brasileira no contexto da floresta amazônica, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entre vários pontos abordados, ele tratou, por exemplo, do desmatamento da floresta amazônica como litígio climático, apresentando fundamentações jurídicas de Tribunais Superiores.
Procurador-Geral de Justiça do Pará preside última conferência da manhã
A conferência “Desafios e Perspectivas para a Implementação da Legislação Florestal pelo Poder Executivo e Judiciário: Uso de Imagens de Satélite, Tecnologia e Inteligência Artificial”, foi presidida pelo Procurador-Geral de Justiça do Pará, César Mattar Jr. e encerrou a programação prevista para a manhã deste sábado, 5.
O presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, fez um panorama geral da situação do órgão no país e, mais especificamente na Amazônia, onde são destinados três helicópteros e 120 agentes para fiscalização. Ele falou sobre as demandas crescentes e as limitações do órgão, que atualmente possui 3.200 pedidos de licenciamento ambiental para apenas 200 servidores. Ele informou ainda que na Amazônia, o órgão tem priorizado as áreas críticas compostas por 17 municípios responsáveis por metade do desmatamento da região, entre eles Altamira e Medicilândia, no Pará.
Ele chamou atenção ainda para a necessidade de aperfeiçoamento da legislação brasileira que prevê penas brandas e alternativas, o que estimula a reiteração dos crimes ambientais.
O debate continuou com procurador da República, Daniel Azeredo, um dos idealizadores do “Projeto Amazônia Protege”. O procurador falou sobre as dificuldades de identificar o financiador, em uma área onde 70% das terras são federais. Ele apresentou o projeto “Amazônia Protege”, hoje uma das estratégias do Ministério Público Federal para monitorar o crime de desmatamento na região. “Tivemos queda no desmatamento ilegal nos últimos 20 anos, mas ainda temos números inaceitáveis”
O procurador defendeu o uso de inteligência artificial não só para identificar os crimes, mas também para prevê-los. “São 23 mil focos de desmatamento a cada ano, 23 mil crimes ocorrendo na Amazônia. Temos 120 fiscais na Amazônia. É impossível. Não há estrutura e Estado”, afirmou.
Uma das iniciativas apresentadas pelo procurador para enfrentar o problema, é o sistema “Projeto Amazônia Protege”, que utiliza imagens de satélite e cruzamento de dados públicos. A partir dessas informações, o Ministério Público Federal (MPF) instaura ações civis públicas contra os responsáveis pelos desmatamentos ilegais com mais de 60 hectares registrados pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes/Inpe). O projeto pode ser acessado aqui
Também com foco nas soluções tecnológicas, Ricardo Fioreze, secretário Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, apresentou as ações que estão em andamento em decorrência da Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, que prevê o uso de tecnologia para a produção de provas que fundamentem decisões no Judiciário.
Um dos sistemas apresentados foi o SireneJud, criado junto com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio da Resolução Conjunta CNJ/CNMP, nº 8, de 25 de junho de 2021. Trata-se de um painel interativo, que reúne dados ambientais e interinstitucionais. Segundo o conferencista, a ideia é “modernizar a cultura judicial para a utilização de dados por meio de tecnologias geoespaciais”.
Com dados abertos para acesso público, ele é integrado ao banco de dados processuais do Judiciário, o DataJus. “Hoje temos uma subutilização das soluções tecnológicas. A inteligência artificial já é rotina do Judiciário. Ela é utilizada para apoiar o juiz e não para substituí-los”, disse.
O evento prossegue durante a tarde com novas conferências e tem cerimônia de encerramento prevista para 19h15, com a presença da presidente do STF e do CNJ, ministra Rosa Weber. Confira a programação aqui.
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