2ª Vara Cível e Empresarial valorizou cultura dos povos indígenas por meio do acesso ao Poder Judiciário
A 2ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Paragominas proferiu sentença no sentido de preservar a identificação cultural e pertencimento étnico de uma criança da etnia Tembé, imprimindo valorização da culturalidade dos povos indígenas por meio do acesso ao Poder Judiciário. O genitor da criança recorreu ao Poder Judiciário, pleiteando a retificação do seu assento de nascimento, para fins de supressão de seu prenome ocidentalizado e manutenção apenas de seu prenome de origem indígena e identificação da etnia de nascimento.
O genitor alegou que, à época em que levou a registro o nascimento da criança, não teria conhecimento de que este poderia ser realizado de modo que ela fosse registrada com nome de origem indígena, pelo que a registrou com prenome ocidentalizado.
Em sentença de mérito pela procedência do pedido, a juíza Mírian Zampier de Rezende utilizou como fundamentos de sua decisão a necessidade de proteção da identificação cultural dos povos indígenas, adotando amplo referencial legislativo nacional e constitucional, bem como diversos instrumentos de ordem internacional, tais quais a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco; Pacto de San José da Costa Rica; Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Segundo a sentença, a magistrada entendeu que “a inclusão do nome próprio como critério de identificação cultural e mais o nome do povo, etnia, comunidade ou aldeia indígena no assento de registro civil é um marco para o reconhecimento da história desse povo em sua ancestralidade, além de ser um ato de resistência e resgate ao orgulho sociocultural, após séculos de proibição da utilização de nomes que pertencessem às tradições dos respectivos povos, representação de uma violência simbólica geradora de verdadeiro genocídio cultural”.
A juíza Mírian Zampier considerou ainda, que, seria necessário refutar qualquer alegação em contrário que se paute em invocação da segurança jurídica “posto tratar-se de instituto de marca essencialmente ocidentalizada e desprovido de força quando se (re)pensa o direito a partir de diferentes locus epistemológicos. A função social do nome, no presente caso, em verdade, deve ser compreendida a partir de sua lógica de individualização da pleiteante enquanto ser-no-mundo, quer a partir de um processo de autoidentificação enquanto pertencente à sua etnia e às suas formas de culturalidade, quer durante o processo de sua colocação face ao meio ambiente social, agindo como marcador identitário perante seus possíveis interlocutores”.
A partir do conhecimento do caso, a magistrada, em interlocução com a liderança indígena local, o cacique Sérgio Tembé, percebeu a necessidade de união de esforços para ampliação do acesso à Justiça por parte dos povos indígenas da localidade, sobretudo no que tange ao fortalecimento de seus laços étnicos pelo direito ao registro civil culturalmente adequado.
Sendo assim, organizou reunião com a liderança indígena, cacique Sérgio Tembé, o coordenador regional da Defensoria Pública Estadual, Diogo Eluan, e a coordenadora regional do Ministério Público Estadual, Grace Kanemitsu Parente, a ser realizada no próximo dia 14 de junho de 2023, para fortalecimento dos laços interinstitucionais e organização de projeto de ampliação do acesso à justiça aos povos indígenas da Comarca de Paragominas, por meio de ação a ser realizada nas aldeias locais.
De acordo com a juíza Mírian Zampier, somente com a interlocução interinstitucional e aproximação do Judiciário face à população indígena, é possível o resgate de direitos de segmento da população brasileira que historicamente experimentou cenários de exclusão e supressão de seus marcos culturais.
A magistrada ressaltou a crescente importância que o Poder Judiciário vem dando ao tema nos últimos tempos, destacando as Resoluções nº 453 e nº 454, publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2022, e que dispõem, respectivamente, acerca da instituição do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e efetividade das demandas relacionadas aos povos indígenas e tribais (Fonit) e acerca das diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas.
Segundo a juíza Mírian Zampier, foi extrema relevância a capacitação permanente de magistrados(as) e servidores(as) acerca do tema, destacando o “Curso Povos Indígenas e Acesso ao Poder Judiciário”, em andamento perante a Escola Judicial do Poder Judiciário do Estado do Pará, que fornece subsídios de aprimoramento técnico para um atendimento cada vez mais especializado às demandas dos povos indígenas em nosso Estado.