O seminário “A Participação Feminina no Poder Judiciário Paraense” abriu, nesta segunda-feira, 19, a programação da XIV Semana Justiça pela Paz em Casa, no Fórum Criminal de Belém. O evento teve o objetivo de debater a realidade das mulheres no Judiciário e de que forma as situações de misoginia podem ser superadas nesse e em outros ambientes que antes eram considerados estritamente masculinos.
Durante o seminário, a presidente em exercício do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), desembargadora Célia Regina de Lima Cordeiro, também à frente da Coordenadoria Estadual da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Cevid), e a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), desembargadora Pastora do Socorro Teixeira Leal, contaram as suas experiências como magistradas mulheres que conseguiram chegar ao desembargo e, posteriormente, aos cargos de direção dos seus respectivos Tribunais.
Para a desembargadora Célia Regina, o papel da mulher precisa ser repensado por toda a sociedade. “Os primeiros sinais da violência contra a mulher, na maioria das vezes, até mesmo aos olhos da vítima ou do agressor, são imperceptíveis. O entendimento do que é violência – não só a física, mas também a moral, a psicológica, etc. – deve ser entendido por todos nós. É por isso que a equipe da Cevid percorre escolas, canteiros de obras e todos os lugares onde é possível alcançar esse público. O trabalho de prevenção se dá com palestras, orientações, estudos técnicos e outros meios preventivos para diminuir essas situações de violência contra a mulher e o próprio machismo”, considerou.
A presidente em exercício do TJPA também ressaltou que os homens não podem ser esquecidos nesse trabalho de conscientização. “É preciso que nós façamos com que não só as mulheres compreendam a violência, mas sobretudo que os homens alcancem a ideia de que estão, sim, sendo violentos. Por isso o trabalho de enfrentamento não se limita somente a dar andamento aos processos de violência doméstica. É preciso também fazer um trabalho preventivo”, explicou.
A desembargadora Pastora do Socorro Teixeira Leal destacou como o machismo dificulta o papel de fala da mulher na sociedade. “Quando a mulher fala em um ambiente de trabalho, por exemplo, muitas vezes o seu discurso é recebido com uma brincadeira, um risinho, como se o que ela estivesse falando não fosse algo sério. Dificilmente irão fazer isso com o homem. Houve um caso dentro da minha casa, durante uma reforma. Os operários estavam trabalhando na obra e eu coloquei a minha secretária para supervisionar. Depois, ela veio desabafar comigo e disse que não aguentava mais a forma como eles a tratavam. Mesmo eu indo conversar com eles – e eu cheguei de uma maneira séria, pesada, dizendo que eles estavam proibidos de tratá-la mal – o pintor mais velho deu uma risadinha. Eu disse que muito me admirava de o mais velho deles estar incentivando tal conduta”, contou.
“Vejam só. Não estavam agredindo fisicamente a minha secretária. Mas ela estava, sim, sendo agredida todos os dias. Pela mentalidade misógina, que nós temos que começar a repensar na nossa casa. Por quê que as tarefas das mulheres são diferentes das dos homens dentro de casa? Por quê só a menina lava a louça, arruma a cama ou cuida do cachorro?”, concluiu a desembargadora Pastora Leal.
Participação feminina - A juíza auxiliar da Cevid, Reijjane de Oliveira, também participou do seminário e apresentou pesquisa sobre o número de mulheres no Judiciário brasileiro. Atualmente, no alto escalão do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, são 2 ministras (18%) e 9 ministros (82%). “Somente no ano 2000 uma mulher chegou a ser ministra do STF”, considerou.
Atualmente, a magistratura brasileira é formada, em percentuais, de 62,7% homens e 37,3% mulheres. Na magistratura paraense, essa diferença cai um pouco: são 61% homens e 39% mulheres. Porém, no desembargo do Judiciário paraense, as mulheres são maioria, com 57%, enquanto os homens são 43%. A realidade do desembargo paraense, com maioria de mulheres, é considerada rara, se comparada ao desembargo de outros Estados brasileiros.
“O CNJ, ao fazer uma pesquisa nacional sobre a participação das mulheres no Judiciário, identificou que havia uma assimetria muito grande entre homens e mulheres nos Tribunais. A partir daí, editou a Resolução 255, que institui a política nacional para incentivar a participação feminina no Poder Judiciário. A partir dessa resolução os Tribunais estão fazendo as suas políticas estaduais. Aqui no Pará, foi instituído um Comitê Deliberativo com a finalidade de dar cumprimento à resolução do CNJ”, explicou a juíza.
Formulário - Durante a abertura, também foi lançado oficialmente, no Pará, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de auxiliar magistrados a concederem medidas protetivas de urgência contra os agressores.
O formulário será aplicado prioritariamente nas delegacias de Polícia. Em locais onde essas unidades não existirem, a responsabilidade caberá às unidades judiciárias. Com 25 perguntas de múltipla escolha, o formulário ajuda a delinear o perfil do agressor, além de traçar contextos e apontar fatores de risco vivenciados pela mulher.
Força-tarefa – Além da programação preventiva, a XIV Semana Justiça pela Paz em Casa inclui força-tarefa do Judiciário para dar andamento célere aos processos de violência doméstica e familiar. Nesta etapa, 112 Comarcas participam ativamente da ação. Cerca de 38 mil processos de violência doméstica e familiar contra a mulher tramitam atualmente na Justiça do Pará. São mais de 3.700 só nas três Varas especializadas de Belém. Entre os processos em andamento no Estado, 79 são de feminicídio.
Programação - Ao longo da semana, a programação prossegue, no Fórum Criminal, com cine debate e exibição do documentário “Os filhos da Maria da Penha”; palestra sobre o direito da mulher para um público de trabalhadores da construção civil; círculos de diálogo com mulheres em situação de violência doméstica e familiar; círculos de diálogo sobre violência de gênero com integrantes do projeto de ressocialização Começar de Novo, e com homens envolvidos em processos de violência doméstica. Para acessá-la, clique
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