Palestras de Excelência celebram 192 anos dos Cursos Jurídicos
Três Palestras de Excelência deram início às celebrações do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) pelos 192 anos de instituição dos Cursos Jurídicos no Brasil. Centenas de magistrados, servidores do Poder Judiciário, profissionais que atuam no ramo do Direito e acadêmicos prestigiaram, na quinta-feira, 8, no Teatro do Sesi, as palestras proferidas pelo ministro Eros Roberto Grau, membro do Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2004 e 2010; pelo professor e jurista Zeno Veloso; e pelo ministro almirante-de-Esquadra Marcus Vinícius Oliveira dos Santos, presidente do Superior Tribunal Militar (STM).
O ministro Eros Grau abordou o tema Lex ou Jus? Direito ou Justiça?. A herança digital foi o tema da palestra de Zeno Veloso. E o ministro Marcos dos Santos explanou sobre a Justiça Militar da União. Na abertura, o presidente do TJPA, desembargador Leonardo de Noronha Tavares, destacou que uma enorme história tem sido escrita no País desde 11 de agosto de 1827, assentando na memória as conquistas e as honras, além de superação institucional, sobretudo, em um momento de maiores transformações políticas e sociais do Brasil, preservando na afirmação e solidificação os pilares da Justiça e do Direito.
“Neste ano, essa celebração é enriquecida pela realização de dois eventos à altura da magistratura e relevância da data ao mundo jurídico e expressões social e democrática que os consubstanciam. Temos as Palestras de Excelência ministradas por expoentes da cultura acadêmica e arcabouço jurídico e a homenagem a 19 personalidades agraciadas com a Ordem do Mérito Judiciário do Pará. O Tribunal de Justiça do Estado experimenta a honrosa oportunidade de reverenciar a instituição dos Curso Jurídicos no País com o primor das palestras. Nosso agradecimento pela honra que nos proporcionam. Saudamos a presença dos palestrantes neste evento e em nossa cidade, concedendo ao Poder Judiciário e ao povo paraense, a satisfação de ter abrilhantado com inteligência jurídica e prestígio pessoal dessa celebração pelo transcurso dos 192 anos de instituição dos Cursos Jurídicos no País”, ressaltou o presidente.
O decano e vice-presidente em exercício, desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, externou sua satisfação pela realização do evento que resgatou uma tradição do TJPA ao marcar em Belém o início anual da celebração de instituição dos Cursos Jurídicos no Brasil. Na ocasião, cumprimentou os presentes na pessoa da desembargadora Nazaré Brabo (gestão 2003-2005), da qual foi vice-presidente, e a sucedeu na Presidência do TJPA na gestão do biênio 2005-2007.
“O ministro Marcos Vinícius foi comandante dos portos do Pará e Amapá, antes de ser almirante. Depois, comandou o 4º Distrito Naval, chegou ao último posto da Marinha do Brasil e saindo daqui foi para o Rio de Janeiro. É um homem de uma experiência, inclusive internacional, porque foi adido militar na Inglaterra e na Noruega, com vasto conhecimento intelectual. Por sua vez, o ministro Eros Grau influenciou intelectualmente uma geração de professores do Pará. O ministro é um pensador criativo e inovador. Creio que um dos maiores títulos que Eros Roberto Grau tem é ser professor titular da Universidade de São Paulo. Temos uma plêiade de juristas da maior respeitabilidade no mundo interior. Sem dúvida, um dos expoentes é Eros Roberto Grau, com obras traduzidas ao francês, espanhol, inglês e alemão”, destacou o desembargador Milton Nobre, acrescentando a conferência magna do professor e jurista Zeno Veloso, que o considera como “irmão de afeição”. “O Zeno, hoje, sem dúvida, é o principal jurista do Estado do Pará. É um intelectual de produção brilhante, que todos sabem disso. É querido pelo alunos de ontem, de hoje e seus alunos de sempre”, finalizou.
Mudança de Competência
O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Almirante-de-Esquadra Marcus Vinícius Oliveira dos Santos, abriu as Palestras de Excelência com a explanação sobre a Justiça Militar no Brasil desde a sua criação em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, até os dias atuais. Criada por D. João VI, a Justiça Militar é a mais antiga do Brasil. O ministrou explicou e pontuou os momentos importantes, como em 1920, com o presidente Epitáfio Pessoa, na criação do Código de Organização Judiciária e Processo Militar e os cargos de procurador e promotor militar; em 1934, quando a Justiça Militar passou a integrar o Poder Judiciário do Brasil; em 1946, com a alteração de Supremo Tribunal Militar para Superior Tribunal Militar e o afastamento da competência administrativa.
O ministro Almirante-de-Esquadra Marcus Vinícius destacou a mudança de competência da Justiça Militar a partir da Lei nº. 13491/2017, que expandiu o conceito de crime militar no Código Penal Militar, e da Lei nº. 13774/2018, que alterou a organização da Justiça Militar, em especial nos crimes cometidos por civis. O presidente do STM ressaltou que esta última lei foi resultado de projeto de iniciativa do Tribunal.
“São leis recentes que trazem mudanças significativas. A Lei nº. 13491/2017 trouxe aumento de competência grande para a Justiça Militar. Estamos ainda nos adaptando. Por exemplo: licitações e contratos eram assuntos que não eram da Justiça Militar. Agora, se encontrarmos um crime dentro da licitação e contratos, os juízes federais já estão declinando a competência para a Justiça Militar e os nossos juízes terão que estudar esse assunto. Eles não eram especialistas nisso e nós também. E a mudança de estrutura, com a Lei nº. 13774/2018, veio preencher uma lacuna que era o julgamento de civis, pode ou não o civil ser julgado pela Justiça Militar. Com essa mudança aprovada, nós definimos: comete o crime militar, é julgado dentro Justiça Militar, mas por togado concursado monocraticamente, não por militares”, explicou.
Herança digital
Em seguida, foi a vez do professor jurista Zeno Veloso que explicou sobre herança digital. O professor argumentou que o mundo da cibernética, dos computadores, das novas tecnologias e das mídias sociais repercutiram para o direito privado. De acordo com Veloso, os produtos digitais têm valor patrimonial e, que por mais que não haja uma legislação específica para a herança digital, há o Código Civil Brasileiro, no qual diz respeito ao direito sucessório, que pode solucionar na resolução do problema.
“Não temos legislação para regular a herança digital. Enquanto projetos não são aprovados, as normas do Código Civil deverão ser chamadas para regular a herança digital”, observou. O jurista Zeno Veloso defendeu que é necessária a aplicação da lei já existente. No entanto, lembrou que nem todas as questões digitais têm valor econômico. É possível, ainda, que tenha conteúdo pessoal, da vida privada, que deve ser regido pelo direito da personalidade e, neste caso, dependeria de testamento junto aos interessados".
Lei e Justiça
O ministro Eros Grau abordou a diferença entre lei e justiça, estabelecendo o desafio entre aplicar a lei e fazer justiça. Segundo ele, o direito deve ser entendido como instrumento de harmonização. Em sua explanação, o ministro partiu do fundamento de que as leis são produzidas pelo Poder Legislativo e quem as aplica são os juízes. A partir disso, estabeleceu distinção entre o texto e a norma jurídica, que, em sua análise, o Poder Legislativo produz os textos e as normas são feitas pelos juízes.
“A interpretação é uma relação entre duas expressões. Ninguém interpreta a norma, interpreta o texto. A norma é resultado da interpretação tirada do texto. A interpretação jurídica não é para produzir efeito estéticos. Da interpretação do texto, se retira a norma sendo aplicado a um determinado caso. A interpretação no Direito é um meio de expressão do conteúdo do texto normativo. Os juízes, quando produzem a norma, a norma da decisão, não estão a praticar uma ciência. Não há interpretações exatas e corretas. O mesmo texto leva a diferentes normas. A concretização do Direito, na prática, consiste em sair do texto para que possamos construir normas adequadas. Não é só tirar a norma do texto. É preciso compreender a realidade”, justificou.
Eros Grau defendeu que o texto é uma fração da norma e que o ordenamento jurídico é conformado pela realidade. De acordo com o ministro, o juiz deve ser prudente e, apoiado no pensamento aristotélico, deve deliberar sobre o que é bom e conveniente acompanhado pela razão. “Cada caso é um caso. É preciso que não exista um intérprete, mas um juiz. Os juízes são aplicadores da lei e não devem decidir subjetivamente. O Direito não é a justiça. O Direito é uma prudência, não é ciência. Vamos à Faculdade aprender Direito e não justiça”, argumentou o ministro.
Assistiram às Palestras de Excelência o diretor geral da Escola Judicial do Poder Judiciário, desembargador Ricardo Ferreira Nunes; a corregedora de Justiça da Região Metropolitana de Belém, desembargadora Nazaré Saavedra; a corregedora de Justiça das Comarcas do Interior, desembargadora Diracy Nunes Alves; a desembargadora Vania Fortes Bitar; o desembargador Ronaldo Valle, o desembargador Luiz Neto, o desembargador José Roberto Pinheiro Maia Bezerra Júnior; e a coordenadora do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), Dahil Paraense.