Webinário encerrou curso de extensão sobre a mulher no Judiciário
O webinário A mulher no Sistema de Justiça apresentou diversas experiências femininas em múltiplos ramos do Judiciário, discutiu desafios e propôs avanços inerentes ao acesso das mulheres a esses espaços. Transmitido pela plataforma de Ensino a Distância da Escola Judicial do Poder Judiciário do Estado do Pará (EJPA) na quinta-feira, 20, o webinário encerrou a programação do curso “A mulher no Judiciário: as implicações de gênero e outros marcadores sociais”, promovido pelo Comitê Deliberativo de Participação Feminina no Poder Judiciário paraense com apoio da Coordenadoria Estadual de Mulheres em situação de Violência Doméstica (Cevid) do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA).
Participaram do webinário a Juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Maria Domitila Prado Manssur; a presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB/PA) Natasha Vasconcelos; a servidora do TJPA Brunna Ferreira da Silva; a Promotora de Justiça do Ministério Público do Pará Leane Fiuza de Melo e a Defensora Pública Beatriz Ferreira dos Reis. As palestras foram pontuadas por comentários da juíza auxiliar da Cevid, Reijjane Ferreira de Oliveira, titular da 1a. Vara Criminal Distrital de Icoaraci.
A juíza Maria Domitila Prado Manssur relatou sua experiência a partir do viés do Direito, expondo enunciados legislativos que dizem respeito à proibição da violência de gênero, que é um princípio do Direito Internacional consuetudinário, e está presente na Recomendação no. 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). A recomendação, apresentada e traduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta em Seu texto para a necessidade de congregação de todos os setores da sociedade no sentido de evitar a discriminação e impedir a violência contra as mulheres. A lei Maria da Penha, ao definir os cinco tipos de violência sofridos pelas mulheres, também faz alusão a esse direito.
A magistrada mencionou a Recomendação 19, também emitida pela CEDAW, que estabelece obrigações aos estados signatários nesse sentido, tanto em âmbito legislativo, quanto no Executivo. No âmbito judiciário, além da preocupação da violência sofrida pelas jurisdicionadas, existe também a preocupação e com as mulheres operadoras do direito, e todas são vítimas de violências nas esferas privada e pública, um sofrimento que causa retrocesso social, político, econômico e que demanda ações efetivas.
A Resolução 255 do CNJ estabelece a implementação de políticas institucionais promotoras da igualdade e participação femininas no Judiciário. A magistrada afirma que essas ações são relevantes para que se possa ver a população representada em espaços de poder e que se possa entender o país como um verdadeiro estado democrático de direito. Ela também enfatizou que devem ser observada a violação dos direitos humanos das mulheres, previstos pelo ordenamento jurídicos e em documentos assinados pelo Brasil.
“Devem ser pensadas situações e soluções que permitam aplicação rigorosa dessas diretrizes que levam à igualdade de gênero em todos os espaços de poder, como o objetivo no. 5 da agenda 2030 da ONU, que diz respeito à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres e meninas e o objetivo 16, que promove sociedades pacíficas e inclusivas. A conjugação desses enunciados leva à conclusão que a igualdade de gênero é indispensável ao desenvolvimento forte, justo e eficaz da justiça”, disse.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PA, Natasha Vasconcelos apresentou a experiência da gestão da comissão, que segundo ela, traz uma perspectiva de gênero em sentido amplo e um atuação feminista, encarado socialmente e mesmo dentro do Judiciário como algo estereotipado que traria uma carga negativa. Essa atuação na prática se traduz em debates sobre desqualificação, invisibilidade ou exclusão de mulheres nesses espaços e sobre a perpetuação da violência e outras ações. Com isso, segundo Natasha Vasconcelos, a OAB abraça a causa da paridade de gênero por uma questão de representatividade e de proporcionalidade.
A servidora Brunna Ferreira da Silva relatou sua experiência como parte do corpo funcional do TJPA como mulher não biológica. Há 13 anos no Poder Judiciário, Brunna relata ter sofrido episódios de assédio moral de colegas de trabalho. Ela elogiou o levantamento feito pelo Comitê Deliberativo de Participação Feminina no Poder Judiciário paraense, quando manifestou o episódio de assédio moral sofrido. “A cada ano me sinto mais incorporada à família do TJPA, sou muito feliz pela acolhida que tenho de meus colegas. Hoje temos aqui múltiplas mulheres em características e discutimos coisas que há 13 anos não se discutia, e essas discussões são cada vez mais frequentes. É preciso provocar o Judiciário para que seja observado até que ponto está proporcionando a possibilidade de o gênero feminino ter uma expressão maior, pois na maior parte das vezes, mulheres como eu têm poucos espaços em esferas como essas”, avalia.
A promotora de Justiça do Ministério Público do Pará, Leane Fiuza de Melo, relatou sua atuação na Promotoria de Violência Doméstica contra a Mulher. Em sua vivência prática, percebeu que existiam todos os perfis de vítimas de violência doméstica, de mulheres de todas as classes sociais. Leane aponta que, para que uma mulher se torne menos suscetível a sofrer esse tipo de violência, ou caso sofra possa ter maior capacidade de resistência e defesa e de buscar reparação aos danos sofridos, a mulher deve ter acesso à educação, a uma careira e à independência profissional. A promotora conta que a temática é muito recente no âmbito do Ministério Púbico. Em 2018 foi realizado um estudo sobre gênero, que demonstrou uma efetiva desigualdade, e o levantamento serviu de base para uma proposta de aperfeiçoamento institucional nas temáticas de igualdade e diversidade. Um grupo de mulheres também foi criado para discutir o fortalecimento dessa participação feminina no Ministério Público. Segundo ela, essa iniciativa e a estratégia de mobilização e capacitação de integrantes das diversas carreiras do sistema de justiça como fundamentais para a quebra da desigualdade.
Ao expor sua trajetória no sistema de Justiça, a defensora pública Beatriz Ferreira dos Reis tratou também da biopolítica para mulheres negras. Beatriz conta que sofreu efeitos indiretos do racismo e da tentativa de embranquecimento da mulher negra. A defensora expôs então sua jornada, na qual se conectou à sua identidade de mulher negra. Algumas vivências em um sistema de justiça machista a alienaram ao fato de ser mulher e de fazer parte de uma coletividade, junto com a exigência de uma androgenia nos trajes da mulher do sistema judiciário e a cobrança por um embranquecimento da mulher negra, em suas roupas e cabelos, que a desconectaram de sua identidade. Segundo ela, ao unir raça, classe e gênero, percebe-se que o machismo impede uma mobilidade social também nas carreiras jurídicas, que resulta na violência institucional contra a mulher no sistema de justiça, que atinge a mulher usuária e operadoras do Direito.
O Comitê Deliberativo de Participação Feminina no Poder Judiciário paraense foi instituído por meio da Portaria nº 3493/2019-GP, de 19 de julho de 2019, com a finalidade de incentivar, mobilizar e monitorar ações visando a participação feminina no âmbito institucional do Poder Judiciário do Estado do Pará, em consonância com a Resolução CNJ nº 255/2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
As ações do Comitê encontram-se alinhadas ao Objetivo 5 de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5) da Organização das Nações Unidas, que busca alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres. Nesse sentido, o Comitê Deliberativo de Participação Feminina vem expressar o compromisso que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará tem com a garantia da igualdade entre homens e mulheres, direito fundamental previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.