Webinário integra curso de extensão sobre a mulher no Judiciário
As Mulheres e o (não) Acesso à Justiça nas “Amazônias” Brasileiras foi o tema do webinário realizado no segundo dia do curso “A mulher no Judiciário: as implicações de gênero e outros marcadores sociais”, ocorrido na quarta-feira, 19. Na ocasião, discutiram o tema a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Jane Felipe Beltrão; a doutoranda da Universidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ), Mailô Andrade e a representante do Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade (MMCC), Elisety Veiga.
O curso é transmitido online pela plataforma Moodle, via Oversee, com direito a certificação, e via link aberto sem certificação até esta quinta-feira, 20, das 17 às 19 horas. Desenvolvido pelo Comitê Deliberativo de Participação Feminina no Poder Judiciário paraense com apoio da Coordenadoria Estadual de Mulheres em situação de Violência Doméstica (Cevid), que têm à frente a vice-presidente do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), desembargadora Célia Regina de Lima Pinheiro, o curso é uma forma de discutir temas pertinentes à situação da mulher em relação ao Judiciário, como discriminação e o acesso à Justiça.
A professora Jane Beltrão apresentou na ocasião a situação de meninas-mulheres que não têm acesso à Justiça na Amazônia. Para isso, trabalhou com cenas de garotas desassistidas pelo Poder público, crianças violentadas sexualmente, mas que não fazem parte das estatísticas porque seus casos não chegam a ser noticiados nem ingressam no Judiciário. “Precisamos discutir essas questões, mas elas só vêm a público quando ocorre um caso e já não há possibilidade de tratamento adequado com prevenção”, disse.
Para falar da situação de meninas que pertencem a povos tradicionais nas Amazônias, conceito cunhado em razão da diversidade do bioma amazônico, a professora relatou histórias de crianças quilombolas, indígenas, ribeirinhas, piaçaveiras, castanheiras e outras, que saíram de suas casas com o objetivo de estudar na capital e foram entregues a outras pessoas, mas ao chegar em Belém perceberam que seriam obrigadas a realizar diversos trabalhos domésticos e não teriam acesso aos estudos, além de terem sido estupradas por homens próximos das famílias em que estavam.
“A cada hora, quatro meninas brasileiras de até 13 anos são estupradas segundo o Anuário Brasileiro de Segurança pública, e isso configura uma situação endêmica”, apontou a professora. Os crimes são geralmente cometidos por um familiar, e são acobertados frequentemente pela família. Segundo Jane Beltrão, para essas crianças “essa não é uma questão de acesso à Justiça, é uma situação sem Justiça”, avaliou. A professora afirma que esses depoimentos, coletados em mais de 40 anos de pesquisa nas Amazônias, não chegaram a conhecimento público, porém serviram para tornar as meninas violentadas ativistas de movimentos sociais e em prol da mulher em suas vidas adultas.
Jane Beltrão também afirma que a não existência de escolas em terras indígenas ou quilombolas dificulta o entendimento de crianças sobre os direitos vigentes no Brasil, que segundo ela “têm uma face branca, perversa e masculina em relação às mulheres”. Segundo a professora, o Judiciário será melhor se for tomado como justo em relação a pessoas discriminadas por serem etnicamente e racialmente diferenciadas. Com isso, busca uma reflexão e ações de prevenção a esse cenário.
Em sua palestra, Elisety Veiga, que representa o Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade (MMCC), abordou a articulação que busca o enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres no movimento. Ela conta que mesmo após da instituição da lei Maria da Penha, a finalização de processos de violência de gênero é demorada para as mulheres, demonstrando que os serviços de assistência como as delegacias, a quantidade de varas que atendem a essas mulheres e outros quesitos, permanecem na mesma situação de 15 anos atrás, quando essas políticas começaram a ser trabalhadas.
Elisety Veiga destacou a necessidade de políticas que tratem da laicidade do Estado no atendimento à vítima de estupro. Para ela, na política de enfrentamento à violência contra a mulher também é preciso que seja fortalecido o acolhimento e a assistência social às vítimas no CRAS e no CREAS dos municípios. Elisety reforçou ainda a necessidade da ocupação feminina de mais espaços sociais, sindicais, partidários, no juizado e na política.
A última palestrante, Mailô Andrade, falou sobre a efetividade dos Diretos Humanos das mulheres a partir de uma experiência empírica. A doutoranda considera fundamental o diálogo entre Academia e Judiciário, e aponta que a construção social a respeito da mulher é reforçada também pelo sistema Judiciário, que deve discutir formas de não reforçar essas estruturas de gênero, raça, orientação sexual e classe. “Vivemos em uma sociedade na qual o papel de fêmea é construído a partir de estereótipos e do preestabelecimento de funções muito específicas, como por exemplo a maternidade. Os papéis sociais são construções sociais reforçadas pela religião, pelas legislações e pelo Direito. A partir dessas construções, as mulheres ganham uma condição de coadjuvantes ou subalternas, e o Direito é fundamental na construção dessas categorias desumanizadoras”, avalia.
A doutoranda propõe a capacitação dos agentes de Justiça Criminal a partir de uma perspectiva que perceba a supremacia masculina e a desigualdade de gênero. Segundo ela, a atuação sob perspectiva de gênero junto a outros marcadores confere visibilidade a essas diferenças e contribui para que as desigualdades não sejam replicadas.
O webinário, mediado pela pedagoga vinculada à Cevid, Riane Freitas, teve a participação de 123 pessoas.
A programação termina nesta quinta-feira com o webinário sobre A mulher no Sistema de Justiça, com a participação da Juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Maria Domitila Prado Manssur; da presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB/PA), Natasha Vasconcelos; da servidora do TJPA Brunna Ferreira da Silva; da Promotora de Justiça do Ministério Público do Pará Leane Fiuza de Melo; da Defensora Pública Beatriz Ferreira dos Reis e da Secretária de Gestão de Pessoas TJPA Lourdes Lobato.
O Comitê Deliberativo de Participação Feminina no Poder Judiciário paraense foi instituído por meio da Portaria nº 3493/2019-GP, de 19 de julho de 2019, com a finalidade de incentivar, mobilizar e monitorar ações visando a participação feminina no âmbito institucional do Poder Judiciário do Estado do Pará, em consonância com a Resolução CNJ nº 255/2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
As ações do Comitê encontram-se alinhadas ao Objetivo 5 de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5) da Organização das Nações Unidas, que busca alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres. Nesse sentido, o Comitê Deliberativo de Participação Feminina vem expressar o compromisso que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará tem com a garantia da igualdade entre homens e mulheres, direito fundamental previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.